"Nem tudo pode para convencer o eleitor", de autoria do juiz Rodrigo Trindade

Texto originalmente publicado no jornal Zero Hora, edição de 25 de agosto de 2022. Sabemos que “de cavalo dado não se olha os dentes”, e regalos sem ônus costumam ser bem aceitos, inclusive nas relações de emprego. Concordamos que o chefe entregar presente ao empregado, sem que haja obrigação laboral correspondente, tende a ser muito benéfica ao agraciado. Mas há um contexto contemporâneo mais amplo. Em eleição nacional profundamente polarizada, é natural que ânimos borbulhem e convicções se transformem em intensas ambições de convencimento a quem está próximo. Na República Velha, eram conhecidas as admoestações de empregados-eleitores, a partir da projeção do poder econômico de “coronéis”. O “voto de cabresto” deste século é mais tênue e faz-se assédio eleitoral a partir de três práticas. Primeiro, com a imposição de empregados em eventos da chefia para induzir voto em candidato ou partido. Mas também pela introdução do assunto em reuniões e uso das estruturas de comunicação interna. Segundo, a partir da instigação do terror psicológico de consequência, predizendo efeitos laborais catastróficos na hipótese de candidato ser eleito ou outro não ter êxito. Terceiro, nas promessas variadas de prêmios e outros benefícios, caso ocorra vitória eleitoral da preferência do empregador. O prêmio deve depender da qualidade diferenciada no desempenho funcional ou de eventos especialmente valorados. Mas fica subvertido quando é manejado para esterilizar valores intelectuais das opções políticas e fazê-los substituir pela mercancia do voto. Não há democracia sem liberdade de escolha. O direito de votar é uma das mais importantes conquistas dos direitos civis, e não se resume à formalidade de digitar o número na urna. Somente há utilidade na manutenção do sistema “uma pessoa, um voto” se as escolhas são tomadas em serenidade, espontâneas e a partir de livres reflexões pessoais. A importunação política de empregados perturba não apenas os contornos da relação de emprego, como convulsiona as mais elementares garantias de democracia. É cavalo a ser devolvido. Rodrigo Trindade Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Fonte: Secom (TRT-4)

© SINDIMERCOSUL 2021

Site criado e e desenvolvido por: